terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Backdraft

Quem assistiu ao filme Backdraft (Cortina de Fogo), de 1991, deve lembrar da cena abaixo, em que o ar é sugado pela fresta de uma porta e, ao arrombá-la, há uma explosão.


Com as devidas ressalvas "Hollywoodianas", o fenômeno acima é o que chamamos de backdraft. Não são muitos os bombeiros que se deparam com este fenômeno durante sua carreira. Ainda bem!

O backdraft pode ser explicado como uma evolução rápida e violenta de um incêndio de ventilação limitada, quando se introduz oxigênio.

Ou seja, um ambiente não ou pouco ventilado, geralmente tomado por fumaça escura (sem plano neutro), que se encontra na fase de queima sem ou com poucas chamas visíveis - muitas vezes somente brasas.

Com a introdução de oxigênio - por uma abertura feita pelos bombeiros ou pelo calor - há uma súbita e explosiva reação. Veja exemplos nos vídeos abaixo:




Como antecipar um possível backdraft:

Devemos estar atentos a determinados sinais no ambiente. Entre eles:
  • Fumaça escura e espessa.
  • Ventilação limitada ou sem ventilação.
  • Portas e janelas quentes em toda a sua extensão.
  • Vidros de janelas escurecidos de fuligem e/ou com aspecto oleoso.
  • Poucas ou sem chamas visíveis.
  • Possíveis "assovios" em rachaduras ou pequenos orifícios.
  • Pulsações de fumaça através de frestas (debaixo de portas, por exemplo).
  • Rápida aspiração de ar caso seja feita uma pequena abertura.
  • Plano neutro muito baixo ou inexistente.

Como evitar um backdraft:

1- Fique atento aos sinais acima.

2- Constatada a possibilidade de backdraft, não abra portas e janelas.

3- Matenha-se protegido atrás de paredes de alvenaria, pois se, por exemplo, o teto vir a desabar, poderá ocorrer um backdraft em função da rápida alimentação do fogo.

Atenção: sempre observe paredes e tetos. Se o ambiente está queimando por muito tempo, podem estar comprometidos.

4- Resfrie os gases superaquecidos através de pequenos furos ou frestas na edificação (exemplo: uma pequena abertura controlada de porta ou janela). Procure usar jato neblinado.

Lembre-se: o objetivo nesta etapa não é apagar o fogo, mas resfriar os gases.

5- Observe mudanças no plano neutro. Se começar a subir, indica que o resfriamento está funcionando. Aumente cuidadosamente a abertura até que seja seguro entrar no ambiente para extinguir o fogo.

6- Se o plano neutro não se alterar mesmo com o resfriamento, possivelmente a situação está piorando. Afaste-se e combata à distância (jato sólido).

Saudações!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Leitura do plano neutro

Antes de entrar em um ambiente fechado, é muito importante observar o plano neutro e seu comportamento para entender o estágio do fogo, definir a estratégia de ataque e reduzir o risco de fenômenos como flashover e backdraft.

De forma simplificada, o plano neutro pode ser explicado como uma "superfície" limite, na qual na camada superior estão concentrados os gases superaquecidos e a fumaça, e na camada inferior o ar.



A camada superior está sob alta temperatura e pressão, o que faz com que a fumaça e os gases sejam forçados para fora do ambiente.

A camada inferior está sob menor temperatura e pressão, o que faz com que o ar seja sugado em direção ao fogo.

No post sobre fluxos de gases (link), expliquei o fluxo bidirecional, no qual fumaça e gases "saindo" do fogo disputam espaço com o ar "sugado" pelo fogo. Essa separação entre os fluxos é justamente o plano neutro.



Um plano neutro elevado, ou seja, a camada inferior muito maior que a superior, indica que o fogo se encontra no início do seu desenvolvimento.

Um plano neutro muito baixo, ou seja, a camada superior muito maior que a inferior, indica que há condições elevadas de inflamação dos gases (flashover) ou uma combustão súbida e violenta (backdraft).

Uma pequena elevação repentina do plano neutro pode indicar entrada de ar no ambiente.

Uma elevação gradual do plano neutro pode indicar não só entrada de ar, mas também saída de gases e fumaça do ambiente.

Um pequeno abaixamento repentino do plano neutro pode significar que o fogo está se intensificando.

Um abaixamento gradual do plano neutro pode significar que há acúmulo de gases superaquecidos e pode haver uma inflamação repentina (flashover).

Se não houver plano neutro (ambiente tomado por fumaça do chão ao teto), cuidado! Há grandes chances de um backdraft assim que uma abertura for realizada.

O plano neutro muda conforme cada estágio do incêndio, bem como com a aplicação de água ou outro agente extintor.

Portanto, é crucial que saibamos "ler" o comportamento do plano, pois isto por si só já nos dá fortes indícios se podemos continuar avançando na edificação, ou se devemos evacuá-la.

Exemplo 1: iniciado o combate, se o plano neutro começa a subir, é um forte indício de que está-se reduzindo a temperatura dos gases e combatendo o incêndio. Devemos prosseguir.

Exemplo 2: iniciado o combate, se o plano neutro começa a abaixar, recue, pois a situação está piorando. Combata inicialmente de fora da edificação ou do ambiente em chamas, usando as paredes como proteção.

O vídeo abaixo, disponível no YouTube, ilustra a evolução do incêndio e o abaixamento do plano neutro. Note que é possível identificar claramente as duas camadas.

Note também os fenômenos do fogo: com o abaixamento do plano neutro e a elevação da temperatura na camada superior, primeiro ocorre roll-over, seguido de flashover, até que não há mais plano neutro.



Até a próxima!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Como funcionam as roupas de combate a incêndio

Você já se perguntou como funciona a sua roupa de combate a incêndio?

Antes, um pouco de história: também chamada de roupa - ou conjunto - de aproximação, foi inventada nos EUA há cerca de 130 anos pela empresa Globe.

Anteriormente, era composta somente pela jaqueta, também chamada de capa 7/8 ("sete oitavos", que se refere ao seu comprimento).



As roupas modernas evoluíram para calça e jaqueta, por oferecerem maior proteção para as pernas dos bombeiros.



São produzidas com a combinação de diversos materiais, sendo os mais comuns NOMEX (meta-aramida), KEVLAR (para-aramida), PTFE (politetrafluoretileno) e PBI (polybenzimidazole).

Este último é o que há de mais moderno, pois tem maior resistência ao calor, ao contato com o fogo e suporta até 900oC com uma perda de resistência menor que os anteriores (fonte).

Como o nome sugere, a roupa é para aproximação ao fogo, não para contato com o fogo. Portanto, não é feita para aguentar contato direto com as chamas por muito tempo.

Apesar dos materiais serem retardantes e/ou antichamas, eles se deterioram se ficarem muito tempo em contato com o fogo.

A roupa trabalha absorvendo calor, não refletindo. Dessa forma, o excesso de calor poderá saturá-la e causar queimaduras ao bombeiro. Isto nos leva a algumas conclusões:

1- Em um ambiente com fluxo bidirecional (link), por haver plano neutro e separação da camada de fumaça e gases superaquecidos da camada de ar, ao mesmo tempo que a roupa absorve calor, ela também libera calor em contato com o ar mais frio na camada inferior. Por isto não satura.

2- Se ficarmos no "caminho" de um fluxo unidirecional, não haverá troca de calor com o ar fresco e a roupa saturará, ferindo o bombeiro - em casos extremos, levando à morte.

3- O tempo de saturação depende dos materiais e da espessura das camadas da roupa. Quanto mais material, maior a proteção, porém maior o peso e menor a flexibilidade.

Nota: As roupas nos EUA são mais robustas e pesadas que as roupas na Europa justamente pelo tipo de combate mais agressivo que os americanos executam.

Tanto a calça quanto a jaqueta são confeccionadas em três camadas, que podem variar de material e espessura.



A camada externa (outer shell) protege o bombeiro das chamas diretas - apenas contato por tempo reduzido -, propicia resistência mecânica - corte e abrasão - e alguma proteção térmica.

A camada intermediária, chamada de camada de umidade ou líquido (moisture barrier), protege o bombeiro de água (líquida ou vapor) e de líquidos específicos, que podem variar conforme a norma.

A NFPA especifica os seguintes: cloro, ácidos de bateria, combustíveis,  LGE (líquido gerador de espuma) e fluidos hidráulicos. É também testada para proteção contra agentes patogênicos presentes no sangue.

Esta camada deve permitir que parte do calor seja retirado da roupa, ajudando a reduzir o stress térmico do bombeiro. Esta característica é chamada de "respirabilidade" (breathability).

A camada interna, chamada de camada térmica (thermal liner), propicia a maior proteção contra a temperatura. Costurada a ela está o tecido que faz a face interna da roupa e fica em contato com o bombeiro.

Nesta camada, quanto maior a espessura, mais tempo levará para que o bombeiro sinta o calor e, consequentemente, para a roupa saturar.

Ela também precisa ter "respirabilidade", permitindo que o calor absorvido do fogo e o calor gerado pelo corpo do bombeiro possam ser extraídos.

Além disso, entre as camadas são deixados espaços que permitem que o ar "circule". Isto ajuda a retardar a transmissão de calor entre elas.



"Bolsas" de ar entre as camadas ajudam a retardar a saturação

O desafio dos fabricantes está em projetar roupas que sejam ao mesmo tempo leves, flexíveis e com alto grau de proteção. Mas a realidade demonstra que você precisa optar por um padrão: ou leves e flexíveis, ou pesadas, robustas e com maior proteção.

Retirando o custo da jogada, a escolha do modelo depende muito do tipo de operação que sua corporação desempenha.

O combate é mais agressivo ou defensivo? Você possui conjunto específico para resgate veicular, ou usa o mesmo conjunto para resgate e incêndio? Suas operações geralmente são mais curtas ou mais longas?

Para quem quiser se aprofundar, seguem algumas fontes (fonte 1) (fonte 2) (fonte 3).

Até a próxima!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Novidades em combate a incêndio - Cristanini

Seguindo a dica de um dos seguidores da fanpage do Incêndios e Resgates, fui atrás destas novas tecnologias de combate a incêndio criadas por uma empresa italiana chamada Cristanini (site internacional) (site no Brasil).

Esta empresa é especializada em equipamentos para descontaminação e desintoxicação de ambientes contaminados por agentes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares e, em 2016, lançou dois equipamentos bem interessantes para combate a incêndio.

O primeiro deles é o Firestop 200/30:



Basicamente o equipamento produz um jato em neblina em alta pressão (200 bar), o qual gera micropartículas que abrangem uma área muito maior que a área atingida por um esguicho convencional.

Pode ser usada somente água ou água + espuma (LGE), o que o qualifica para inúmeras aplicações (incêndios estruturais, veiculares, com produtos perigosos, etc).

A extinção das chamas é feita tanto por abafamento quanto resfriamento.

Ele ainda reduz significativamente a quantidade de água utilizada (e consequentemente o estrago gerado por ela).

Veja abaixo como funciona:




O segundo é o WJFE 300 Modular:



O equipamento perfura paredes e ataca o fogo em ambientes confinados.

Ele usa um tipo de lança com uma mistura de material abrasivo e água em alta pressão para perfurar / cortar diversos materiais, como madeira, aço, plástico, vidro, concreto, etc.

Uma vez que a perfuração é realizada, o jato de 350 bar de pressão é imediatamente convertido em "vapor" de água (neblina), aumentando seu volume 1700 vezes, saturando o ambiente e removendo o oxigênio (comburente) do fogo.

As chamas são extintas principalmente por abafamento e, indiretamente, por resfriamento.

Veja demonstrações abaixo:




Até a próxima!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Ventilação em incêndios (complemento)

Se você não viu os posts anteriores, sugiro a leitura antes de ver o vídeo abaixo:
  • Fluxo de gases (link)
  • Ventilação tática (link)

Este vídeo é uma demonstração de como a ventilação influencia a progressão do incêndio.

É possível notar roll-overs, flashovers e backdrafts conforme as portas e janelas são fechadas e abertas.

Note também a importância de manter portas e janelas fechadas caso água não esteja sendo aplicada ao foco do incêndio.

E também que, muitas vezes, pequenas quantidades de água (jato em neblina!) são suficientes para resfriar os gases superaquecidos e manter o incêndio sobre controle.

Por fim, note os problemas da ventilação vertical. O principal motivo é que a saída de gases (abertura no teto) é menor do que a entrada de ar (abertura de portas e janelas).

Se você tem uma fonte de calor e uma entrada de ar maior que a saída de gases, a tendência é aumentar a pressão e a temperatura interna e piorar a situação.



Saudações!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Ventilação em incêndios

Este post é uma continuação do anterior (link). Caso você não o tenha lido, fica a dica! Facilitará o entendimento deste. As fontes também são as mesmas (UL, NIST, ATF FRL).

Antes dos bombeiros chegarem, a maioria dos incêndios tem ventilação limitada. Os sinais são: pouco fogo e muita fumaça do chão ao teto.


O motivo nos remete ao triângulo do fogo. Se não há uma das arestas do triângulo, não pode haver fogo. Quando a ventilação é limitada, significa que há pouco comburente (ar).

Porém, quando realizamos aberturas (portas, janelas, teto), imediatamente devolvemos o comburente ao triângulo e permitimos que o fogo volte a existir.

O objetivo deste post não é falar sobre como se forma o fogo e seus fenômenos (roll-over, flashover, backdraft, etc). Possivelmente no futuro farei um post específico. Aqui, focarei na ventilação.

A ventilação é obrigatória num incêndio, mas deve-se ventilar o mínimo possível até se poder jogar água no foco do incêndio (para simplificar, usarei somente água como agente extintor, mas obviamente depende do incêndio).

Um vez iniciado o ataque, deve-se ventilar o máximo possível para ajudar a retirar os gases do ambiente.

A ventilação pode ser natural (horizontal, vertical) ou forçada (ventilador).

Nota: ventilar é diferente de resfriar. Resfriar é a aplicação de água ou outro agente extintor com o objetivo de reduzir o calor e apagar as chamas.

Mas não é possível resfriar somente com ventilação. Se não houver o combate, a tendência é o fogo aumentar com a ventilação, e não diminuir!

Ventilação horizontal:

Consiste na abertura ou arrombamento de portas e janelas, sejam no piso térreo ou em pisos superiores.



Prós: relativamente rápida, fácil e segura de executar, requer muitas vezes um único bombeiro.

Contras: não é tão eficiente quanto a ventilação vertical para um mesmo tamanho de abertura.

Ventilação vertical:

Consiste na abertura de “buracos” no teto com o uso de ferramentas, como motoserra, serra policorte manual e machado.

Não é muito comum no Brasil, mas é extremamente usual nos EUA.


Prós: mais eficiente que a ventilação horizontal para um mesmo tamanho de abertura (devido à dinâmica dos gases: quente sobe, frio desce).

Contras: demora para executar e tem maior risco para os bombeiros (teto desabar). Se água não for aplicada rapidamente, o fogo vai se propagar exponencialmente.

Os estudos citados no post anterior (link) demonstram que, além do risco, este tipo de ventilação não é eficaz e resulta em aumento das chamas, não em redução da fumaça e temperatura, como era esperado!

Ventilação forçada:

Consiste no uso de ventilador. Pode ser do tipo pressão positiva (VPP) ou pressão negativa (VPN, ou exaustor).




Prós: pode aumentar a visibilidade e reduzir a temperatura entre o ponto de entrada e o foco do incêndio. 

Contras: ventilar um incêndio com ventilação limitada - sem aplicação de água - sempre irá aumentar as chamas e pode acelerar significativamente a propagação do fogo, por conta do alto fluxo de oxigênio em direção a ele.

Dica: em incêndios em edificações, use o ventilador para pressurizar a escada enclausurada! Isto evitará que fumaça entre na escada e melhorará a condição tanto para as vítimas quanto para os bombeiros.

Atenção: usar ventilador antes de iniciar o combate requer uma boa noção de onde o fogo está e para onde as chamas irão. Cuidado para não piorar a cena!

Regras gerais para incêndios com ventilação limitada:

1- A ventilação sempre aumentará o tamanho do incêndio, a menos que água seja aplicada.

2- Ventilação é essencial e pode melhorar as condições ambientais, mas deve ser coordenada entre a equipe e com aplicação de água o mais rápido possível.

3- Se você puder jogar água no foco do incêndio antes que o fogo reaja com a ventilação, proceda com a mesma. Se não, limite-a até que a linha de ataque esteja pronta.

4- Os estudos demonstraram que o fogo começa a reagir com a ventilação em aproximadamente 1 min e 30 seg a 3 min após iniciada a ventilação. A reação é exponencial. Se for usado ventilador, este tempo reduz drasticamente.

5- Se a ventilação for realizada e água não for aplicada rapidamente, deve-se antecipar possíveis reações do fogo (aumento das chamas, fluxo unidirecional, roll-over, flash-over, etc.)

6- O melhor lugar para ventilar é próximo ao foco do incêndio, oposto à linha de ataque. Em outras palavras, linha de ataque de um lado do fogo, abertura do outro.

7- Como poderá se criar um fluxo unidirecional, os bombeiros devem estar na entrada de ar desse fluxo, não na saída dos gases.

8- Após a extinção das chamas, mais ventilação resulta em maior resfriamento. 

9- A fumaça pode conter gases superaquecidos que são combustível para o fogo. Uma abertura inadequada pode fornecer ar suficiente para roll-over, flash-over ou backdraft

10 -O ataque inicial ao foco do incêndio não extinguirá as chamas, mas reduzirá consideravelmente a temperatura interna, melhorando as condições para a equipe de busca e de combate.

Para finalizar, veja abaixo o vídeo, disponível no Youtube, que exemplifica erros de ventilação e suas consequências.

Repare na rápida propagação das chamas quando se fazem aberturas erradas, sem estar atacando devidamente o foco do incêndio:



Saudações!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Fluxos de gases em incêndios

Um assunto essencial para qualquer bombeiro é a correta leitura dos incêndios e sua ventilação.

Mas, antes de falar em tipos de ventilação, ventilação limitada e ventilação tática, precisamos entender a dinâmica dos gases em um incêndio, o que é chamado de fluxo de gases.



Simulação de fluxo de gases em um incêndio

Estudos realizados nos EUA pela UL (Underwriters Laboratories), NIST (National Institute of Standards and Technology) e ATF FRL (Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives -  Fire Research Laboratory) abordaram abrangentemente o tema ventilação com o objetivo de reeducar os bombeiros para a correta leitura dos incêndios e recomendar mudanças na forma de trabalho.


Foram estudados cinco casos emblemáticos que causaram a morte de bombeiros. A título de curiosidade, são eles:


  • Cherry Road (1999)
  • Leisure World (2005)
  • San Francisco (2011)
  • Baltimore County (2011)
  • Prince Georges County (2012)

Todos esses incidentes foram causados por problemas de ventilação que geraram fluxos unidirecionais. Explicarei logo abaixo. Quem tiver curiosidade, veja o estudo completo neste link.


O que são fluxos de gases?

Os fluxos podem ser descritos como "correntes" de gases em um incêndio. Gases podem ser entendidos não só como a fumaça e o que se desprende de materiais superaquecidos, mas também o ar que alimenta o fogo.

Os fluxos ocorrem em todos os incêndios e são classificados em bidirecional e unidirecional.

Como sabemos, as chamas e a fumaça aquecida fluem "para fora" do fogo, e o ar fresco em direção ao fogo.

Os fluxos ocorrem dos lugares mais baixos para os mais altos, devido à dinâmica dos gases (gases quentes sobem, ar frio desce).

Podem ser fatais, mas se os bombeiros souberem reconhecer o tipo de fluxo, podem se proteger e usá-lo a seu favor no combate.

Fluxo bidirecional:

Este tipo de fluxo ocorre quando existe uma ou mais aberturas na mesma altura. Apresenta menor velocidade dos gases, menor fluxo de ar em direção ao fogo e menor quantidade de fumaça saindo do fogo. Os gases da combustão disputam espaço com ar fresco. 

Exemplos:


Fluxo bidirecional com uma abertura

Fluxo bidirecional com duas aberturas na mesma altura

Apresenta menor risco aos bombeiros. Costuma-se notar com facilidade o plano neutro e, permanecendo agachado, é possível adentrar a edificação e combater o foco do incêndio.

Fluxo unidirecional:

Este tipo de fluxo ocorre quando existem aberturas em alturas diferentes. Veja exemplo abaixo.

Pelo efeito termodinâmico, os gases quentes sobem e saem pela abertura superior. Os ar frio é "sugado" pelo fogo na parte inferior.



Como não há disputa de espaço entre a fumaça e o ar fresco, esse processo resulta em uma aceleração dos gases e maior fluxo de baixo para cima.


A tendência é o fogo se propagar rapidamente e ocorrer uma piora significativa das condições ambientais.


Se um bombeiro ficar no caminho de um fluxo unidirecional, poderá sofrer queimaduras graves ou até morte.


Fluxo bidirecional transformando-se em unidirecional:


Repare na ilustração abaixo, a qual representa uma edificação de dois andares. Inicialmente, não havendo aberturas no andar superior, o fluxo é bidirecional.



Então, seja pelo calor ou pela ação dos bombeiros, faz-se uma abertura no segundo pavimento. Automaticamente o fluxo se torna unidirecional, pois criaram-se duas aberturas em alturas diferentes.



Esta situação é extremamente perigosa, pois se uma equipe estiver realizando uma busca no segundo pavimento, pode acabar no "caminho" do fluxo e sofrer queimaduras ou até a morte.

Como evitar os fluxos unidirecionais:


Gases superaquecidos e chamas se propagam de um andar para outro conforme encontram aberturas, como portas abertas ou janelas quebradas pelos próprios bombeiros.

Portas são a melhor forma de bloquear um fluxo unidirecional, sejam na entrada de ar, sejam na saída de gases.


Mesmo portas convencionais (de madeira, ocas) oferecem boa proteção para as equipes de busca e salvamento, o suficiente para realizar uma busca primária e sair do edifício em tempo hábil.


Sempre que adentrar um ambiente e passar de um para outro, mantenha as portas fechadas, limitando a ventilação (mais sobre isso no próximo post).


Veja abaixo um exemplo real do que uma porta convencional é capaz. À direita, um apartamento que estava com a porta aberta. À esquerda, um outro apartamento no mesmo andar que estava com a porta fechada.


(Foto retirada do estudo citado acima)

O que fazer?


1- Se possível realize uma avaliação 360º antes de entrar em uma edificação em chamas (geralmente a primeira guarnição ou o chefe da equipe).


2- Procure por padrões de fluxos bidirecionais e unidirecionais. Para haver fluxo unidirecional, deve haver diferença de altura entre a entrada de ar e a saída de gases. Procure por aberturas em diferentes alturas.


3- Bloqueie o fluxo sempre que possível, mantendo portas e janelas fechadas até que se inicie o combate. Ao passar de um ambiente para outro, feche a porta ou a encoste o máximo possível.

4- Inicie o combate pela entrada de ar, não pela saída de gases (se fluxo for unidirecional).


5- Fique atento às mudanças de condição no ambiente. Acompanhe a evolução do plano neutro e da temperatura. Mudanças bruscas em ambos indicam mudança de fluxo. Saia imediatamente ou procure fugir do fluxo (um ambiente com porta fechada é o suficiente).


6- Atacando o foco do incêndio, todo o fluxo de gases terá sua temperatura reduzida e será mais difícil o fogo se propagar.


Em breve o post sobre ventilação. Até!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Incêndio em subestação

Sua guarnição foi acionada para combater um incêndio em uma subestação de energia elétrica. O que fazer?

Primeiramente, veja o vídeo abaixo para entender a dimensão do problema:



Como estes incêndios ocorrem?

Na maioria dos casos, os incêndios começam nos transformadores, por conta do óleo em seu interior.

Esse óleo possui um alto ponto de fulgor, sendo classificado como não inflamável. Porém, quando usado em equipamentos elétricos, seja para remover o calor resultante das perdas, seja como dielétrico (isolante) entre os componentes condutores de corrente, em caso de sobrecarga térmica o óleo pode gerar vapores que são combustíveis.

A sobrecarga térmica pode ser de origem interna ou externa, como curto-circuitos, raios ou mesmo outra fonte de calor próxima (cabos superaquecidos ou outro equipamento em chamas).

Como combater os incêndios?

Antes, um esclarecimento: as NRs e NBRs regem toda a questão de segurança e prevenção de incêndio em subestações. Também mencionam os equipamentos obrigatórios de combate. Não vou entrar em detalhes, pois não é o objetivo do post.

Como bombeiros, geralmente somos acionados quando a situação foge de controle, ou seja, quando tanto brigadistas quando sistemas automáticos não deram conta de conter o incêndio.

Chegando ao local, a primeira ação é encontrar um responsável técnico e certificar-se que a subestação, ou pelo menos o equipamento em chamas, foi desenergizado.

Nota: isto vale também para transformadores de rua (em postes, por exemplo). Obviamente, não jogar água antes de se certificar que estão desenergizados.

O método de combate indicado é o resfriamento com jato de água "neblina", que pode ser aplicado através de linhas de ataque manuais, sistema de spray nebulizador da própria subestação - se houver e ainda estiver funcionando - ou ambos.


Recomenda-se manter a máxima distância na qual ainda seja possível atingir o incêndio com os jatos em neblina.

O objetivo desta técnica é, ao mesmo tempo, resfriar o transformador e combater o fogo no óleo derramado.

Caso não seja possível desenergizar o equipamento ou a subestação, deve-se usar somente o sistema de spray nebulizador do local.

Importante: não executar qualquer ação de combate sem antes conversar com um responsável da subsestação. Somente ele/ela poderá assegurar que a energia foi desligada.


Saudações!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Uso de helicóptero em incêndio em edificação

É muito comum vermos helicópteros sendo usados no combate a incêndios florestais.

Geralmente é usada uma Bambi Bucket (essa "bolsa" na figura abaixo),


ou um tanque dentro ou acoplado ao próprio helicóptero (menos comum no Brasil):



Para quem tiver curiosidade, veja neste site a origem do termo Bambi Bucket.

Entretanto, por que não vemos helicópteros sendo usados em incêndios estruturais?

Pela lógica, em um incêndio em edificação, principalmente am arranha-céus, onde as escadas e plataformas não alcançam e os bombeiros levam muito tempo para chegar aos andares mais altos, um helicóptero poderia ser muito útil.

Na verdade, eles são sim usados! O ponto é que incêndios desse tipo não são muito comuns.

No Brasil, os últimos grandes incêndios em edificações de grande porte foram o Andraus em 1972 e o Joelma em 1974, ambos na cidade de São Paulo. Houve também o incêndio no edifício das Lojas Renner em Porto Alegre, em 1976, mas ele tinha apenas 7 andares.

No Andraus, a maioria das pessoas sobreviveu justamente por conseguir chegar à cobertura e ser resgatada por helicóptero!

No Joelma, como as chamas já haviam atingido o terraço e não havia uma laje apropriada para pouso, helicópteros não conseguiam se aproximar o suficiente para realizar o resgate.

Se quiser saber mais sobre estes incêndios, seguem algumas fontes:

Em termos de legislação, a ANAC proibe o voo com carga externa em áreas com edificações e pessoas. Isto dificulta o transporte de água por Bambi Bucket.

Claro que podem existir exceções em situações de emergência, mas o ponto não é só legal. Do ponto de vista das técnicas de combate a incêndio em edificações, despejar 500 ou mais litros de água de um helicóptero geralmente é pouco efetivo e ainda perigoso.

500 kg de água = meia tonelada. O impacto pode danificar estruturas e ferir vítimas e bombeiros.

O resgate é permitido, porém existem outros riscos que o comandante tem de avaliar. Há um local seguro para pouso no terraço do edifício? As chamas já atingiram o terraço? Qual a visibilidade no local? Direção e intensidade do vento?

Exemplo: se o fogo já atingiu o terraço, ou se a intensidade é muito alta, o forte calor gerado pode desestabilizar o helicóptero - o ar mais quente é menos denso, afetando a sustentação. Pode haver turbulência também.

Além disso, a legislação mudou muito deste os incêndios no Andraus e no Joelma. O Joelma, por exemplo, não tinha nem escada de incêndio! Hoje, prédios de grande porte contam com escadas enclausuradas, sistema de hidrantes, sistema de sprinklers, entre outros.

Em países mais desenvolvidos, arranha-céus modernos contam com áreas de abrigo isoladas e pressurizadas em determinados andares para que as pessoas possam aguardar o resgate em segurança.

(Para mais informações sobre este assunto, clique aqui)

Por fim, existe o fator custo. Com muitas corporações sucateadas, o aluguel ou a aquisição de um helicóptero torna-se inviável. E nem todas as cidades contam com apoio de helicópteros policiais.

Conclusão:

O equipamento pode ser usado em incêndios estruturais? Sim, primordialmente no resgate de vítimas.

O uso é viável? Depende do risco, tanto para o helicóptero e sua tripulação, quanto para as vítimas e os bombeiros.

Dependendo do porte do incêndio e da altura do edifício, ele poderá ser a única saída.

Segue abaixo um vídeo, disponível no Youtube, sobre o incêndio no Andraus. Repare nos helicópteros chegando e saindo do topo do edifício:


Até logo!