segunda-feira, 6 de março de 2017

Resgate veicular: teoria vs. realidade

Lembro claramente da minha primeira ocorrência de resgate veicular, lá em 2008.

Recém saído do curso de formação do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, estava num plantão noturno. Tinha acabado de jantar, quando soa o alarme da viatura de resgate.

Coração veio à boca! Mas consegui raciocinar, correr para onde ficavam os conjuntos de aproximação, vestir o meu e embarcar na viatura.

Equipe de 4 pessoas (motorista, chefe, bombeiro 1 e eu). O deslocamento foi rápido. Na viatura, um silêncio típico de quem, de tanta experiência no assunto, aparentava tranquilidade. Era mais uma ocorrência de resgate.

Menos para mim!

Chegando no local, uma colisão frontal carro - ônibus. Coisa feia. Uma vítima - a do carro - encarcerada (nota: encarceramento mecânico e físico tipo 1 - veja método SAVER).

Pensei comigo: vou seguir meu treinamento e começar pelo isolamento da área. Zona quente, morna e fria (ou círculos interno e externo), 5m, 10m, 15m...

Eis o primeiro problema! O ser humano é um bicho curioso! A população quer estar perto do acidente. E era tanta gente, numa rua apertada, que não dava para isolar mais do que 5m ao redor dos veículos acidentados. Paciência, fiz o que pude.

Depois, fui preparar a motobomba e as ferramentas hidráulicas. Pensei: vou montar o palco, tirar ferramentas, calços, e tudo mais que possa ser usado.

Eis o segundo problema! Quando comecei a fazê-lo, o bombeiro 1 já estava com uma das ferramentas hidráulicas na mão pedindo pressa, pois a condição da vítima estava se agravando. Tinha que ser extraída do veículo o mais rápido possível.

Ajudei-o e novamente pensei: preciso estabilizar o veículo e desligar a bateria.

Eis o terceiro problema. Não havia tempo nem equipe para fazer tudo na ordem correta. Calçamos duas rodas e já começamos a abertura das portas. Desligar a bateria ficaria para o final.

Foi uma ocorrência de grande aprendizado, por dois motivos principais:

1- No meu primeiro resgate já tive que ajudar a abrir portas, retirar completamente o teto e afastar o painel. E tudo muito rápido (a vítima foi retirada com vida do veículo)!

2- Ali percebi que, como dizem, "na prática, a teoria é outra". Talvez a melhor descrição seja: "na prática, você precisa adaptar a teoria".

E como fica o método SAVER (link) nessa história? Um método reconhecido internacionalmente, consistente. Pulamos etapas, invertemos algumas, quebramos protocolos? Coisa de dar nó na cabeça de novato!

Pois bem, resolvi contar essa minha história para ilustrar as dificultades e diferenças entre teoria e realidade.

Acontece que as teorias de resgate (como o método SAVER) são estudadas e desenvolvidas como o cenário ideal. Se você conseguir seguir exatamente o método, terá a certeza de estar mitigando o risco para você, sua equipe, a(s) vítima(s) e a população.

Também vai garantir que a(s) vítima(s) seja(m) desencarcerada(s) e extraída(s) do veículo da forma menos prejudicial possível, no menor tempo, com a maior segurança que a situação permitir.

Devemos ter o método como um guia, um tipo de check-list mental. E adaptá-lo conforme a necessidade.

Tenho como seguir a ordem exata descrita no método?

Consigo fazer uma estabilização razoável do veículo para permitir que um resgatista / socorrista adentre o mesmo para estabilizar a vítima?

Consigo acessar a bateria e desligá-la? Se não, qual o risco de iniciar o resgate antes de desligar a bateria?

A condição da vítima está piorando? Entrou em PCR? Como posso extraí-la o mais rápido possível para iniciar os procedimentos de reanimação?

Com o tempo e a prática, absorvemos os métodos e criamos instintos. Conseguimos avaliar riscos em nosso subconsciente. E tomar decisões que, às vezes, parecem contrariar a lógica de quem olha de fora.

Na ocorrência, devemos manter o foco e nos comunicar o tempo inteiro. Tomar decisões em conjunto é melhor que decidir sozinho. E manter a humildade, sempre!

Até o próximo post!

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