segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Fluxos de gases em incêndios

Um assunto essencial para qualquer bombeiro é a correta leitura dos incêndios e sua ventilação.

Mas, antes de falar em tipos de ventilação, ventilação limitada e ventilação tática, precisamos entender a dinâmica dos gases em um incêndio, o que é chamado de fluxo de gases.



Simulação de fluxo de gases em um incêndio

Estudos realizados nos EUA pela UL (Underwriters Laboratories), NIST (National Institute of Standards and Technology) e ATF FRL (Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives -  Fire Research Laboratory) abordaram abrangentemente o tema ventilação com o objetivo de reeducar os bombeiros para a correta leitura dos incêndios e recomendar mudanças na forma de trabalho.


Foram estudados cinco casos emblemáticos que causaram a morte de bombeiros. A título de curiosidade, são eles:


  • Cherry Road (1999)
  • Leisure World (2005)
  • San Francisco (2011)
  • Baltimore County (2011)
  • Prince Georges County (2012)

Todos esses incidentes foram causados por problemas de ventilação que geraram fluxos unidirecionais. Explicarei logo abaixo. Quem tiver curiosidade, veja o estudo completo neste link.


O que são fluxos de gases?

Os fluxos podem ser descritos como "correntes" de gases em um incêndio. Gases podem ser entendidos não só como a fumaça e o que se desprende de materiais superaquecidos, mas também o ar que alimenta o fogo.

Os fluxos ocorrem em todos os incêndios e são classificados em bidirecional e unidirecional.

Como sabemos, as chamas e a fumaça aquecida fluem "para fora" do fogo, e o ar fresco em direção ao fogo.

Os fluxos ocorrem dos lugares mais baixos para os mais altos, devido à dinâmica dos gases (gases quentes sobem, ar frio desce).

Podem ser fatais, mas se os bombeiros souberem reconhecer o tipo de fluxo, podem se proteger e usá-lo a seu favor no combate.

Fluxo bidirecional:

Este tipo de fluxo ocorre quando existe uma ou mais aberturas na mesma altura. Apresenta menor velocidade dos gases, menor fluxo de ar em direção ao fogo e menor quantidade de fumaça saindo do fogo. Os gases da combustão disputam espaço com ar fresco. 

Exemplos:


Fluxo bidirecional com uma abertura

Fluxo bidirecional com duas aberturas na mesma altura

Apresenta menor risco aos bombeiros. Costuma-se notar com facilidade o plano neutro e, permanecendo agachado, é possível adentrar a edificação e combater o foco do incêndio.

Fluxo unidirecional:

Este tipo de fluxo ocorre quando existem aberturas em alturas diferentes. Veja exemplo abaixo.

Pelo efeito termodinâmico, os gases quentes sobem e saem pela abertura superior. Os ar frio é "sugado" pelo fogo na parte inferior.



Como não há disputa de espaço entre a fumaça e o ar fresco, esse processo resulta em uma aceleração dos gases e maior fluxo de baixo para cima.


A tendência é o fogo se propagar rapidamente e ocorrer uma piora significativa das condições ambientais.


Se um bombeiro ficar no caminho de um fluxo unidirecional, poderá sofrer queimaduras graves ou até morte.


Fluxo bidirecional transformando-se em unidirecional:


Repare na ilustração abaixo, a qual representa uma edificação de dois andares. Inicialmente, não havendo aberturas no andar superior, o fluxo é bidirecional.



Então, seja pelo calor ou pela ação dos bombeiros, faz-se uma abertura no segundo pavimento. Automaticamente o fluxo se torna unidirecional, pois criaram-se duas aberturas em alturas diferentes.



Esta situação é extremamente perigosa, pois se uma equipe estiver realizando uma busca no segundo pavimento, pode acabar no "caminho" do fluxo e sofrer queimaduras ou até a morte.

Como evitar os fluxos unidirecionais:


Gases superaquecidos e chamas se propagam de um andar para outro conforme encontram aberturas, como portas abertas ou janelas quebradas pelos próprios bombeiros.

Portas são a melhor forma de bloquear um fluxo unidirecional, sejam na entrada de ar, sejam na saída de gases.


Mesmo portas convencionais (de madeira, ocas) oferecem boa proteção para as equipes de busca e salvamento, o suficiente para realizar uma busca primária e sair do edifício em tempo hábil.


Sempre que adentrar um ambiente e passar de um para outro, mantenha as portas fechadas, limitando a ventilação (mais sobre isso no próximo post).


Veja abaixo um exemplo real do que uma porta convencional é capaz. À direita, um apartamento que estava com a porta aberta. À esquerda, um outro apartamento no mesmo andar que estava com a porta fechada.


(Foto retirada do estudo citado acima)

O que fazer?


1- Se possível realize uma avaliação 360º antes de entrar em uma edificação em chamas (geralmente a primeira guarnição ou o chefe da equipe).


2- Procure por padrões de fluxos bidirecionais e unidirecionais. Para haver fluxo unidirecional, deve haver diferença de altura entre a entrada de ar e a saída de gases. Procure por aberturas em diferentes alturas.


3- Bloqueie o fluxo sempre que possível, mantendo portas e janelas fechadas até que se inicie o combate. Ao passar de um ambiente para outro, feche a porta ou a encoste o máximo possível.

4- Inicie o combate pela entrada de ar, não pela saída de gases (se fluxo for unidirecional).


5- Fique atento às mudanças de condição no ambiente. Acompanhe a evolução do plano neutro e da temperatura. Mudanças bruscas em ambos indicam mudança de fluxo. Saia imediatamente ou procure fugir do fluxo (um ambiente com porta fechada é o suficiente).


6- Atacando o foco do incêndio, todo o fluxo de gases terá sua temperatura reduzida e será mais difícil o fogo se propagar.


Em breve o post sobre ventilação. Até!

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